LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO:
AS MUITAS FACETAS (resumo)
MAGDA SOARES
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RESUMO DO TEXTO EM TÓPICOS:
· Magda Soares propõe, neste texto, retomar a invenção da palavra e do conceito de letramento, e concomitante a desinvenção da alfabetização, resultando no que ela denomina como sendo a reinvenção da alfabetização.
· Tem como objetivo defender a especificidade de cada fenômeno e, ao mesmo tempo, a indissociabilidade desses dois processos – alfabetização e letramento.
HISTÓRICO:
· É em meados dos anos 80 que se dá, simultaneamente, a invenção do termo letramento no Brasil, do illettrisme, na França, da literacia, em Portugal, para nomear fenômenos distintos daquele denominado alfabetização, alphabétisation.
· Nos Estados Unidos e na Inglaterra, embora a palavra literacy já
estivesse dicionarizada desde o final do século XIX, foi também nos
anos de 1980 que o fenômeno que ela nomeia, distinto daquele que em
língua inglesa se conhece como reading instruction, beginning literacy tornou-se foco de atenção e de discussão nas áreas da educação e da linguagem.
· No final dos anos 70, a UNESCO ampliou o conceito de literate para functionally literate,
e, portanto, sugeriu que as avaliações internacionais sobre domínio de
competências de leitura e de escrita fossem além do medir apenas a
capacidade de saber ler e escrever.
· A diferença fundamental está no grau
de ênfase posta nas relações entre as práticas sociais de leitura e de
escrita (letramento) e a aprendizagem do sistema de escrita
(alfabetização), ou seja, entre o conceito de letramento (illettrisme, literacy) e o conceito de alfabetização (alphabétisation, reading instruction, beginning literacy).
· Nos
países desenvolvidos, ou do Primeiro Mundo, as práticas sociais de
leitura e de escrita assumem a natureza de problema relevante no
contexto da constatação de que a população, embora alfabetizada, não
dominava as habilidades de leitura e de escrita necessárias para uma
participação efetiva e competente nas práticas sociais e profissionais que envolvem a língua escrita.
· Nestes países, constatou-se
que jovens e adultos mais desfavorecidos revelam precário domínio das
competências de leitura e de escrita, mesmo dominando o sistema de
escrita, porque passaram pela escolarização básica. Isso dificulta a inserção desses no mundo social e no mundo do trabalho.
· Durante
toda a última década e até hoje a mídia vem usando, em matérias sobre
competências de leitura e escrita da população brasileira, termos como semi-analfabetos, iletrados, analfabetos funcionais,
ao mesmo tempo que vem sistematicamente criticando as informações sobre
índices de alfabetização e analfabetismo que tomam como base apenas o
critério do Censo de saber ou não saber “ler e escrever um bilhete
simples”. A mídia vem, pois, assumindo e divulgando um conceito de
alfabetização que o aproxima do conceito de letramento.
· Dois problemas da aprendizagem inicial da escrita nos países de primeiro mundo nos anos 70:
o domínio precário de competências de leitura e de escrita necessárias
para a participação em práticas sociais letradas e as dificuldades no
processo de aprendizagem do sistema de escrita, ou da tecnologia da
escrita – são tratados de forma independente.
· No Brasil, os conceitos de alfabetização e letramento se mesclam, se superpõem e, frequentemente, se confundem.
· No
Brasil, a discussão do letramento surge sempre enraizada no conceito de
alfabetização, o que tem levado, apesar da diferenciação sempre
proposta na produção acadêmica, a uma inadequada e inconveniente fusão dos dois processos, com prevalência do conceito de letramento.
Interessante é observar que também na produção acadêmica brasileira
alfabetização e letramento estão quase sempre associados. Embora a
relação entre alfabetização e letramento seja inegável, além de
necessária e até mesmo imperiosa, ela, ainda que focalize diferenças,
acaba por diluir a especificidade de cada um dos dois fenômenos.
· No que se refere à alfabetização e ao letramento, mesmo que apresentem relação, é necessário observar a especificidade de cada um dos fenômenos.
· Livros que diferenciam e/ou aproximam os dois processos:
Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso, de Leda Verdiani (1988);
Letramento e alfabetização, de Leda Verdiani (1995);
Alfabetização e letramento, de Roxane Rojo (1998);
Os significados do letramento, de Leda Verdiani Tfouni e Ângela Kleiman, (1995);
Letramento: um tema em três gêneros, de Magda Soares (1998).
- Alfabetização é saber ler e escrever.
- Letramento é saber dominar com competência e habilidade a leitura e a escrita, isto é, fazer uso da leitura e da escrita.
· A “desinvenção” da alfabetização significa a progressiva perda de especificidade do processo de alfabetização
que parece vir ocorrendo na escola brasileira ao longo das duas últimas
décadas. O que, em parte, justifica o fracasso na aprendizagem e no
ensino da língua escrita no Brasil. Antes este se revelava dentro das
escolas (em testes, provas), agora se mostra a toda a sociedade e ao
mundo, através de avaliações que revelam o nível precário ou nulo de
aprendizagem, leitura e compreensão oral e escrita dos brasileiros
(ENEM, PISA...), denunciando alunos “não alfabetizados ou
semi-alfabetizados” depois de anos na escola.
· A “excessiva especificidade” na alfabetização
significa a autonomização das relações entre o sistema fonológico e o
sistema gráfico em relação às demais aprendizagens e comportamentos na
área da leitura e da escrita, ou seja, a exclusividade atribuída a apenas uma das facetas da aprendizagem da língua escrita. O que parece ter acontecido, ao longo das duas últimas décadas, é que, em lugar de se fugir a essa “excessiva especificidade”, apagou-se a necessária especificidade do processo de alfabetização.
· Causas para a perda da especificidade do processo de alfabetização:
1) O sistema de ciclos que traz uma diluição ou uma preterição de metas e objetivos a serem atingidos gradativamente ao longo do processo de escolarização;
2) O princípio da progressão continuada;
3) A mudança e o não entendimento conceitual a respeito da aprendizagem da língua escrita que se difundiu no Brasil a partir de meados dos anos de 1980.
· Mudanças de paradigmas que influenciaram a maneira de alfabetizar: De
1960 a 1970, paradigma behaviorista. Nos anos 80, é substituído pelo
cognitivismo e, nos anos 90, pelo paradigma sociocultural. A transição
da teoria cognitivista para a perspectiva sociocultural pode ser
interpretada antes como um aprimoramento do paradigma cognitivista que
propriamente como uma mudança paradigmática. No Brasil, os anos de 1980 e
1990 assistiram ao domínio hegemônico, na área da alfabetização, do
paradigma cognitivista, que aqui se difundiu sob a discutível
denominação de construtivismo (posteriormente, socioconstrutivismo), divulgado por Emília Ferreiro (perspectiva psicogenética).
· A
criança, na perspectiva psicogenética (visão interacionista), é capaz
de progressivamente (re)construir esse sistema de representação,
interagindo com a língua escrita em seus usos e práticas sociais, isto
é, interagindo com material “para ler”, não com material artificialmente
produzido para “aprender a ler”. A aprendizagem se dá por uma
progressiva construção do conhecimento, na relação da criança com o
objeto “língua escrita”; as dificuldades da criança passam a ser vistas
como “erros construtivos”, resultado de constantes reestruturações. É
preciso, entretanto, reconhecer que esta concepção conduziu a alguns
equívocos e a falsas inferências, que podem explicar a desinvenção da alfabetização.
· O construtivismo, na alfabetização, passou
a subestimar a natureza do objeto de conhecimento em construção, que é,
fundamentalmente, um objeto linguístico constituído, quer se considere o
sistema alfabético quer o sistema ortográfico, de relações
convencionais e frequentemente arbitrárias entre fonemas e grafemas.
· Ao
apresentar a especificidade do processo de alfabetização, não significa
dissociá-lo do processo de letramento. Podemos entender a alfabetização
como processo autônomo, independente do letramento e anterior a ele.
· Não há necessidade de voltarmos à concepção
holística da aprendizagem da língua escrita, de que decorre o princípio
de que aprender a ler e a escrever é aprender a construir sentido para e por meio de textos escritos, usando experiências e conhecimentos prévios. No caso, voltarmos ao construtivismo.
· Na
concepção grafofônica, o conhecimento do código grafofônico e o domínio
dos processos de codificação e decodificação constituem etapa
fundamental e indispensável para o acesso à língua escrita. Etapa que
não pode ser vencida.
· No
Brasil, no período de 1990, o debate se fazia em torno da oposição
entre métodos sintéticos (fônico, silabação) e métodos analíticos
(palavração, sentenciação, global) pelo método construtivista, de Emília
Ferreiro.
· O que constitui a reinvenção da alfabetização?
A concepção de aprendizagem da língua escrita é mais ampla e multifacetada que apenas a aprendizagem do código, das relações grafofônicas; o que é necessário é que essa faceta recupere a importância fundamental que tem na aprendizagem da língua escrita; sobretudo, que ela seja objeto de ensino direto, explícito, sistemático.
A concepção de aprendizagem da língua escrita é mais ampla e multifacetada que apenas a aprendizagem do código, das relações grafofônicas; o que é necessário é que essa faceta recupere a importância fundamental que tem na aprendizagem da língua escrita; sobretudo, que ela seja objeto de ensino direto, explícito, sistemático.
· Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco
porque, no quadro das atuais concepções psicológicas, linguísticas e
psicolinguísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também
do adulto analfabeto) no mundo da escrita ocorre simultaneamente por
esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita – a alfabetização – e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita – o letramento.
CONCEITOS:
· Alfabetização é a aquisição do sistema convencional de escrita.
· Letramento
é o desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades
de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua
escrita.
· Alfabetização e letramento são processos de natureza fundamentalmente diferentes, envolvendo conhecimentos, habilidades e competências específicos, que implicam formas de aprendizagem diferenciadas e, consequentemente, procedimentos diferenciados de ensino. Não são processos independentes, mas interdependentes e indissociáveis: a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez, só se pode desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema–grafema, isto é, em dependência da alfabetização. Os dois processos são simultâneos.
· As muitas facetas do letramento: imersão
das crianças na cultura escrita, participação em experiências variadas
com a leitura e a escrita, conhecimento e interação com diferentes tipos
e gêneros de material escrito, entre outras.
· As muitas facetas da alfabetização:
consciência fonológica e fonêmica, identificação das relações
fonema–grafema, habilidades de codificação e decodificação da língua
escrita, conhecimento e reconhecimento dos processos de tradução da
forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita, entre outras.
· Não há um método para a aprendizagem inicial da língua escrita, há múltiplos métodos,
pois a natureza de cada faceta determina certos procedimentos de
ensino, além de as características de cada grupo de crianças, e até de
cada criança, exigir formas diferenciadas de ação pedagógica.
Sintetizando:
1) A alfabetização deve ser entendida como processo de aquisição e apropriação do sistema da escrita, alfabético e ortográfico;
2) A
alfabetização deve se desenvolver num contexto de letramento –
entendido este, no que se refere à etapa inicial da aprendizagem da
escrita, como a participação em eventos variados de leitura e de
escrita, e o consequente desenvolvimento de habilidades de uso da
leitura e da escrita nas práticas sociais que envolvem a língua escrita,
e de atitudes positivas em relação a essas práticas;
3) Reconhecer
tanto a alfabetização quanto o letramento como processos de diferentes
dimensões, ou facetas, cuja natureza de cada um deles demanda uma
metodologia diferente, de modo que a aprendizagem inicial da língua
escrita exige múltiplas metodologias, algumas caracterizadas por ensino
direto, explícito e sistemático – particularmente a alfabetização, em
suas diferentes facetas – outras caracterizadas por ensino incidental,
indireto e subordinado a possibilidades e motivações da criança;
4) Rever
e reformular a formação dos professores das séries iniciais do ensino
fundamental, de modo a torná-los capazes de enfrentar o grave e
reiterado fracasso escolar na aprendizagem inicial da língua escrita nas
escolas brasileiras.
Por Luciane Mari Deschamps
Professora de Língua Portuguesa e Espanhol
Especialista em Psicopedagogia
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