domingo, 22 de setembro de 2013

LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO:
AS MUITAS FACETAS (resumo)
MAGDA SOARES

LEIA O TEXTO COMPLETO NO SITE: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n25/n25a01.pdf


RESUMO DO TEXTO EM TÓPICOS:
·       Magda Soares propõe, neste texto, retomar a invenção da palavra e do conceito de letramento, e concomitante a  desinvenção da alfabetização, resultando no que ela denomina como sendo a reinvenção da alfabetização.
·       Tem como objetivo defender a especificidade de cada fenômeno e, ao mesmo tempo, a indissociabilidade desses dois processos – alfabetização e letramento.

HISTÓRICO:

·       É em meados dos anos 80 que se dá, simultaneamente, a invenção do termo letramento no Brasil, do illettrisme, na França, da literacia, em Portugal, para nomear fenômenos distintos daquele denominado alfabetização, alphabétisation.

·       Nos Estados Unidos e na Inglaterra, embora a palavra literacy já estivesse dicionarizada desde o final do século XIX, foi também nos anos de 1980 que o fenômeno que ela nomeia, distinto daquele que em língua inglesa se conhece como reading instruction, beginning literacy tornou-se foco de atenção e de discussão nas áreas da educação e da linguagem.
·       No final dos anos 70, a UNESCO ampliou o conceito de literate para functionally literate, e, portanto, sugeriu que as avaliações internacionais sobre domínio de competências de leitura e de escrita fossem além do medir apenas a capacidade de saber ler e escrever.
·       A diferença fundamental está no grau de ênfase posta nas relações entre as práticas sociais de leitura e de escrita (letramento) e a aprendizagem do sistema de escrita (alfabetização), ou seja, entre o conceito de letramento (illettrisme, literacy) e o conceito de alfabetização (alphabétisation, reading instruction, beginning literacy).

·       Nos países desenvolvidos, ou do Primeiro Mundo, as práticas sociais de leitura e de escrita assumem a natureza de problema relevante no contexto da constatação de que a população, embora alfabetizada, não dominava as habilidades de leitura e de escrita necessárias para uma participação efetiva e competente nas práticas sociais e profissionais que envolvem a língua escrita.
·       Nestes países, constatou-se que jovens e adultos mais desfavorecidos revelam precário domínio das competências de leitura e de escrita, mesmo dominando o sistema de escrita, porque passaram pela escolarização básica. Isso dificulta a inserção desses no mundo social e no mundo do trabalho.

·       Durante toda a última década e até hoje a mídia vem usando, em matérias sobre competências de leitura e escrita da população brasileira, termos como semi-analfabetos, iletrados, analfabetos funcionais, ao mesmo tempo que vem sistematicamente criticando as informações sobre índices de alfabetização e analfabetismo que tomam como base apenas o critério do Censo de saber ou não saber “ler e escrever um bilhete simples”. A mídia vem, pois, assumindo e divulgando um conceito de alfabetização que o aproxima do conceito de letramento.


·       Dois problemas da aprendizagem inicial da escrita nos países de primeiro mundo nos anos 70: o domínio precário de competências de leitura e de escrita necessárias para a participação em práticas sociais letradas e as dificuldades no processo de aprendizagem do sistema de escrita, ou da tecnologia da escrita – são tratados de forma independente.

·       No Brasil, os conceitos de alfabetização e letramento se mesclam, se superpõem e, frequentemente, se confundem.
·       No Brasil, a discussão do letramento surge sempre enraizada no conceito de alfabetização, o que tem levado, apesar da diferenciação sempre proposta na produção acadêmica, a uma inadequada e inconveniente fusão dos dois processos, com prevalência do conceito de letramento. Interessante é observar que também na produção acadêmica brasileira alfabetização e letramento estão quase sempre associados. Embora a relação entre alfabetização e letramento seja inegável, além de necessária e até mesmo imperiosa, ela, ainda que focalize diferenças, acaba por diluir a especificidade de cada um dos dois fenômenos.
·       No que se refere à alfabetização e ao letramento, mesmo que apresentem relação, é necessário observar a especificidade de cada um dos fenômenos.
·       Livros que diferenciam e/ou aproximam os dois processos:
   Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso, de Leda Verdiani (1988);
    Letramento e alfabetização, de Leda Verdiani (1995);
   Alfabetização e letramento, de Roxane Rojo (1998);
  Os significados do letramento, de  Leda Verdiani Tfouni e Ângela Kleiman, (1995);
  Letramento: um tema em três gêneros, de Magda Soares (1998).

  •   Alfabetização é saber ler e escrever. 
  • Letramento é saber dominar com competência e habilidade a leitura e a escrita, isto é, fazer uso da leitura e da escrita.

· A “desinvenção” da alfabetização significa a progressiva perda de especificidade do processo de alfabetização que parece vir ocorrendo na escola brasileira ao longo das duas últimas décadas. O que, em parte, justifica o fracasso na aprendizagem e no ensino da língua escrita no Brasil. Antes este se revelava dentro das escolas (em testes, provas), agora se mostra a toda a sociedade e ao mundo, através de avaliações que revelam o nível precário ou nulo de aprendizagem, leitura e compreensão oral e escrita dos brasileiros (ENEM, PISA...), denunciando alunos “não alfabetizados ou semi-alfabetizados” depois de anos na escola.
·       A “excessiva especificidade” na alfabetização significa a autonomização das relações entre o sistema fonológico e o sistema gráfico em relação às demais aprendizagens e comportamentos na área da leitura e da escrita, ou seja, a exclusividade atribuída a apenas uma das facetas da aprendizagem da língua escrita. O que parece ter acontecido, ao longo das duas últimas décadas, é que, em lugar de se fugir a essa “excessiva especificidade”, apagou-se a necessária especificidade do processo de alfabetização.
·       Causas para a perda da especificidade do processo de alfabetização:

1) O sistema de ciclos que traz uma diluição ou uma preterição de metas e objetivos a serem atingidos gradativamente ao longo do processo de escolarização;

2) O princípio da progressão continuada;

3) A mudança e o não entendimento conceitual a respeito da aprendizagem da língua escrita que se difundiu no Brasil a partir de meados dos anos de 1980.
·       Mudanças de paradigmas que influenciaram a maneira de alfabetizar: De 1960 a 1970, paradigma behaviorista. Nos anos 80, é substituído pelo cognitivismo e, nos anos 90, pelo paradigma sociocultural. A transição da teoria cognitivista para a perspectiva sociocultural pode ser interpretada antes como um aprimoramento do paradigma cognitivista que propriamente como uma mudança paradigmática. No Brasil, os anos de 1980 e 1990 assistiram ao domínio hegemônico, na área da alfabetização, do paradigma cognitivista, que aqui se difundiu sob a discutível denominação de construtivismo (posteriormente, socioconstrutivismo), divulgado por Emília Ferreiro (perspectiva psicogenética).

·       A criança, na perspectiva psicogenética (visão interacionista), é capaz de progressivamente (re)construir esse sistema de representação, interagindo com a língua escrita em seus usos e práticas sociais, isto é, interagindo com material “para ler”, não com material artificialmente produzido para “aprender a ler”. A aprendizagem se dá por uma progressiva construção do conhecimento, na relação da criança com o objeto “língua escrita”; as dificuldades da criança passam a ser vistas como “erros construtivos”, resultado de constantes reestruturações. É preciso, entretanto, reconhecer que esta concepção conduziu a alguns equívocos e a falsas inferências, que podem explicar a desinvenção da alfabetização.
·       O construtivismo, na alfabetização, passou a subestimar a natureza do objeto de conhecimento em construção, que é, fundamentalmente, um objeto linguístico constituído, quer se considere o sistema alfabético quer o sistema ortográfico, de relações convencionais e frequentemente arbitrárias entre fonemas e grafemas.
·       Ao apresentar a especificidade do processo de alfabetização, não significa dissociá-lo do processo de letramento. Podemos entender a alfabetização como processo autônomo, independente do letramento e anterior a ele.
·       Não há necessidade de voltarmos à concepção holística da aprendizagem da língua escrita, de que decorre o princípio de que aprender a ler e a escrever é aprender a construir sentido para e por meio de textos escritos, usando experiências e conhecimentos prévios. No caso, voltarmos ao construtivismo.
·       Na concepção grafofônica, o conhecimento do código grafofônico e o domínio dos processos de codificação e decodificação constituem etapa fundamental e indispensável para o acesso à língua escrita. Etapa que não pode ser vencida.
·       No Brasil, no período de 1990, o debate se fazia em torno da oposição entre métodos sintéticos (fônico, silabação) e métodos analíticos (palavração, sentenciação, global) pelo método construtivista, de Emília Ferreiro.

·       O que constitui a reinvenção da alfabetização?
   A concepção de aprendizagem da língua escrita é mais ampla e multifacetada que apenas a aprendizagem do código, das relações grafofônicas; o que é  necessário é que essa faceta recupere a importância fundamental que tem na aprendizagem da língua escrita; sobretudo, que ela seja objeto de ensino direto, explícito, sistemático.

·       Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escritaa alfabetização – e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita – o letramento.




CONCEITOS:
·       Alfabetização é a aquisição do sistema convencional de escrita.
·       Letramento é o desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita.
·    Alfabetização e letramento são processos de natureza fundamentalmente diferentes, envolvendo conhecimentos, habilidades e competências específicos, que implicam formas de aprendizagem diferenciadas e, consequentemente, procedimentos diferenciados de ensino. Não são processos independentes, mas interdependentes e indissociáveis: a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez, só se pode desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema–grafema, isto é, em dependência da alfabetização. Os dois processos são simultâneos.
·       As muitas facetas do letramento: imersão das crianças na cultura escrita, participação em experiências variadas com a leitura e a escrita, conhecimento e interação com diferentes tipos e gêneros de material escrito, entre outras.

·       As muitas facetas da alfabetização: consciência fonológica e fonêmica, identificação das relações fonema–grafema, habilidades de codificação e decodificação da língua escrita, conhecimento e reconhecimento dos processos de tradução da forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita, entre outras.
·       Não há um método para a aprendizagem inicial da língua escrita, há múltiplos métodos, pois a natureza de cada faceta determina certos procedimentos de ensino, além de as características de cada grupo de crianças, e até de cada criança, exigir formas diferenciadas de ação pedagógica.

Sintetizando:

1)  A alfabetização deve ser entendida como processo de aquisição e apropriação do sistema da escrita, alfabético e ortográfico;

2) A alfabetização deve se desenvolver num contexto de letramento – entendido este, no que se refere à etapa inicial da aprendizagem da escrita, como a participação em eventos variados de leitura e de escrita, e o consequente desenvolvimento de habilidades de uso da leitura e da escrita nas práticas sociais que envolvem a língua escrita, e de atitudes positivas em relação a essas práticas;

3) Reconhecer tanto a alfabetização quanto o letramento como processos de diferentes dimensões, ou facetas, cuja natureza de cada um deles demanda uma metodologia diferente, de modo que a aprendizagem inicial da língua escrita exige múltiplas metodologias, algumas caracterizadas por ensino direto, explícito e sistemático – particularmente a alfabetização, em suas diferentes facetas – outras caracterizadas por ensino incidental, indireto e subordinado a possibilidades e motivações da criança;

4) Rever e reformular a formação dos professores das séries iniciais do ensino fundamental, de modo a torná-los capazes de enfrentar o grave e reiterado fracasso escolar na aprendizagem inicial da língua escrita nas escolas brasileiras.


Por Luciane Mari Deschamps
Professora de Língua Portuguesa e Espanhol
Especialista em Psicopedagogia

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