sexta-feira, 20 de setembro de 2013


O Brincar na Educação Infantil


Maévi Anabel Nono
Unesp - Departamento de Educação –
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas



Como escrevem Imma Marín e Silvia Penón (2003/2004, p. 30), especialistas em brinquedo e educação,
Brincar é a principal atividade da infância. Responde à necessidade de meninos e meninas de olhar, tocar, satisfazer a curiosidade, experimentar, descobrir, expressar, comunicar, sonhar... Brincar é uma necessidade, um impulso primário e gratuito que nos impele desde pequenos a descobrir, conhecer, dominar e amar o mundo e a vida.
Leni Vieira Dornelles (2001) analisa a importância do brincar na vida da criança – e, por que não, do adulto – e nos ajuda a refletir sobre as diversas possibilidades desta atividade tanto para os bebês, quanto para as crianças um pouco maiores.
Como ela bem nos lembra, desde cedo, os bebês começam a conhecer o mundo à sua volta, estabelecendo relações com as pessoas que interagem com eles. Pelo brincar, vão se expressando, comunicando-se, experimentando e interagindo com seu próprio corpo, com os outros e também com os diversos objetos presentes no mundo. Já um pouco maiores, as crianças se valem das brincadeiras para aprender a lidar com o outro, a partilhar brinquedos e espaços para brincar, a negociar regras e formas de participação nas atividades lúdicas.
Tão importantes no desenvolvimento das crianças, as brincadeiras devem ter tempo e espaço garantidos nas creches e pré-escolas.
Janet Moyles, em entrevista concedida à Revista Pátio Educação Infantil, argumenta a favor da presença do brincar nas escolas de Educação Infantil. Leiam o depoimento dela e vejam o que ela pensa sobre as contribuições das brincadeiras para o desenvolvimento das crianças:
Brincar é uma parte fundamental da aprendizagem e do desenvolvimento nos primeiros anos de vida. As crianças brincam instintivamente e, portanto, os adultos deveriam aproveitar essa inclinação “natural”. 

                       Crianças que brincam confiantes tornam-se aprendizes vitalícios, capazes de pensar de forma abstrata e independente, assim como de correr riscos a fim de resolver problemas e aperfeiçoar sua compreensão. Significa que os programas de educação infantil inicial devem estar baseados em atividades lúdicas como princípio central das experiências de aprendizagem. Isso é bastante difícil de conseguir na vigência de práticas excessivamente prescritivas em termos de conteúdo curricular. Crianças pequenas alcançam a compreensão através de experiências que fazem sentido para elas e nas quais podem usar seus conhecimentos prévios. O brincar proporciona essa base essencial. É muito importante que as crianças aprendam a valorizar suas brincadeiras, o que só pode acontecer se elas forem igualmente valorizadas por aqueles que as cercam. Brincar mantém as crianças física e mentalmente ativas. (MOYLES, 2009, p. 19)

Angela Meyer Borba argumenta que:
Para as crianças, a brincadeira é uma forma privilegiada de interação com outros sujeitos, adultos e crianças, e com os objetos e a natureza à sua volta. Brincando, elas se apropriam criativamente de formas de ação social tipicamente humanas e de práticas sociais específicas dos grupos aos quais pertencem, aprendendo sobre si mesmas e sobre o mundo em que vivem. Se entendermos que a infância é um período em que o ser humano está se constituindo culturalmente, a brincadeira assume importância fundamental como forma de participação social e como atividade que possibilita a apropriação, a ressignificação e a reelaboração da cultura pelas crianças. (BORBA, 2007, p. 12)
Borba, no artigo publicado na Revista Criança do Professor de Educação Infantil, em novembro de 2007, intitulado “A brincadeira como experiência de cultura na educação infantil”, aponta diversas ações que devem ser realizadas pelas escolas de Educação Infantil no que diz respeito às brincadeiras: 1) organização dos espaços de forma a disponibilizar brinquedos e materiais para as crianças, oferecendo diferentes possibilidades de interação e de significado; 2) acompanhamento, observação e apoio às crianças nas suas brincadeiras; 3) incorporação da dimensão lúdica no trabalho com os conhecimentos das várias áreas, de modo a contribuir para que as crianças estabeleçam associações e significações que ampliam suas possibilidades de aprendizagem.
Ainda a respeito das brincadeiras nas creches e pré-escolas, algumas educadoras infantis (ROSSETTI-FERREIRA et al, 2007) também nos lembram que, observando o brincar das crianças, podemos compreender seu processo de socialização. Por meio da brincadeira de faz-de-conta, afirmam estas educadoras, a criança aprende a dominar regras, a trabalhar suas emoções e seus medos, a dominar o mundo e a compreender como ele é.
Vejam como as educadoras escrevem sobre o faz-de-conta e tentem se lembrar de momentos de sua infância nos quais você experimentou “outros papéis”.
Brincando, a criança entra no mundo imaginário onde ela é autora do seu script. Quando diz: “Faz de conta que eu sou o motorista”, ela passa a ser o motorista naquele momento. Ela pode entrar na fantasia, experimentar outros papéis, criar outros temas e cenários. Mas ela sabe que ela é uma criança e não um motorista. Na hora em que ela acabar a brincadeira, ela volta à realidade. (ROSSETTI-FERREIRA et al, 2007, p. 101)
Também educadora de Educação Infantil, Alma Helena A. Silva (2007) observa seus alunos brincando de faz-de-conta e percebe que, por meio desta brincadeira, eles puderam experimentar diferentes relações, imitar o adulto, criar situações novas, exercitar a construção da autonomia e o fortalecimento de suas identidades. Fizeram um importante exercício de percepção do outro e de constatação de que existem diferentes modos de pensar e agir. E conseguiram, ainda, vivenciar diferentes afetos, chateações, realizações, frustrações e outros sentimentos presentes em nossas vidas.
A pesquisadora Edda Bomtempo, no capítulo “Brincar, fantasiar, criar e aprender”, da obra de Oliveira (2001, p. 127), afirma que “No comportamento diário das crianças, o brincar é algo que se destaca como essencial para seu desenvolvimento e sua aprendizagem. Dessa forma, se quisermos conhecer bem as crianças, devemos conhecer seus brinquedos e brincadeiras”.
Como professores e professoras de Educação Infantil, também é importante sabermos que, além de ser importante para os pesquisadores da infância, o brincar é extremamente valorizado pelas próprias crianças ao aquilatarem a qualidade das creches e pré-escolas. No artigo livro “Consulta sobre Qualidade da Educação Infantil: o que pensam e querem os sujeitos deste direito” (CAMPOS; CRUZ, 2006), as crianças entrevistadas enfatizam a importância de que as escolas infantis possuam “mais e melhores brinquedos” (p. 111).
Segundo as pesquisadoras, as crianças descrevem com detalhes os brinquedos que gostariam de ver nas creches e pré-escolas, explicitando o imenso valor que elas lhes dão. Para as crianças do Rio Grande do Sul, entrevistadas na Consulta coordenada por Maria Malta Campos e Silvia Helena Vieira da Cruz (2006), o brinquedo é o elemento mais importante para que uma creche/pré-escola seja considerada “legal”.
No excerto a seguir, podemos observar as conclusões das pesquisadoras a respeito da importância dos brinquedos e brincadeiras nas vozes infantis:

                      Na concepção das crianças acerca de uma boa creche/pré-escola, dois elementos se sobressaem: brinquedos/brincadeiras e alimentação. Além de estar bastante presentes nos grupos de todos os Estados em várias classes formadas com falas relativas a esses temas, alusões a brinquedos e brincadeiras constituem classes quase exclusivas nos grupos de Pernambuco e Rio Grande do Sul. As crianças mencionam grande variedade de brinquedos que gostariam que a creche/pré-escola tivesse, fornecendo detalhes sobre eles (“mesa de brinquedinho que tenha um monte de prato de fruta pra botar na mesa, bicicleta de brinquedo que tem uma Barbie”). Como a escolha das instituições incluídas na Consulta procurou abranger de maneira representativa os tipos presentes nos quatro Estados, podemos considerar que a maioria das instituições não possui brinquedos de uso individual ou coletivo em bom estado, adequados para as diversas idades e em quantidade suficiente para o número de crianças. De outro lado, sabemos que muitas dessas crianças não possuem em suas casas os brinquedos listados (tais como carro de controle remoto e videogame) e que a presença deles na creche ou na pré-escola seria quase a única chance de isso se concretizar: a intensidade com que as crianças expressam esse desejo sugere que elas sabem disso. (CAMPOS; CRUZ, 2006, p. 94)

No artigo “Brinquedos e materiais pedagógicos nas escolas infantis”, Tizuko Morchida Kishimoto (2001) relata uma interessante pesquisa coordenada por ela em Escolas Municipais de Educação Infantil de São Paulo, durante o período de 1996-1998. Na pesquisa, investiga-se a presença e o uso de brinquedos – entendidos como objetos, suportes das brincadeiras – e materiais pedagógicos nas escolas investigadas.
Os resultados obtidos na pesquisa sugerem que os brinquedos e materiais pedagógicos mais utilizados são os chamados educativos. Brinquedos que estimulam o simbolismo e a socialização são pouco utilizados, apontando, segundo Tizuko, o pouco valor atribuído ao brincar pelos professores e professoras das escolas.
No excerto a seguir, extraído desse artigo, a pesquisadora discorre a respeito da importância de que o brincar tenha espaço já nos cursos de formação dos professores para que ele venha a ser, de fato, valorizado no cotidiano das escolas infantis:
Se o cotidiano das escolas infantis carece de brinquedos e materiais pedagógicos, cabe questionar não só as concepções de criança e de educação infantil, mas se os cursos de formação inicial e continuada têm incluído em seus currículos a temática do brincar como parte da formação profissional. A presença, nos currículos, de referenciais teóricos que analisam o brincar não é suficiente para alterar a prática pedagógica (SCHÖN, 1990; ZEICHNER, 1993), que requer o questionamento das ações do cotidiano infantil à luz dos quadros teóricos para reordenar o cotidiano. É necessário analisar o cotidiano dentro de uma pedagogia crítica e ultrapassá-la, buscando uma pedagogia transformadora. As formações inicial e continuada devem incluir brincadeiras como estratégias para iniciar as reflexões. É brincando e pensando sobre o brincar que se adquire consciência sobre sua importância. (KISHIMOTO, 2001, p. 244)
O artigo da professora Tizuko Morchida Kishimoto revela dados muito interessantes sobre o uso dos brinquedos nas escolas de Educação Infantil. Para vocês lerem todo o artigo, acessem-no a partir do link correspondente abaixo. Mas, façam esta leitura apenas se desejarem, como complementar.
Leiam agora o excerto a seguir, extraído do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil , no qual são apresentados aspectos relativos à importância do brincar para a criança pequena.



Brincar
Brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da identidade e da autonomia. O fato de a criança, desde muito cedo, poder se comunicar por meio de gestos, sons e mais tarde representar determinado papel na brincadeira faz com que ela desenvolva sua imaginação. Nas brincadeiras as crianças podem desenvolver algumas capacidades importantes, tais como a atenção, a imitação, a memória, a imaginação.
Amadurecem também algumas capacidades de socialização, por meio da interação e da utilização e experimentação de regras e papéis sociais.
A diferenciação de papéis se faz presente sobretudo no faz-de-conta, quando as crianças brincam como se fossem o pai, a mãe, o filhinho, o médico, o paciente, heróis e vilões etc., imitando e recriando personagens observados ou imaginados nas suas vivências.
A fantasia e a imaginação são elementos fundamentais para que a criança aprenda mais sobre a relação entre as pessoas, sobre o eu e sobre o outro.
No faz-de-conta, as crianças aprendem a agir em função da imagem de uma pessoa, de uma personagem, de um objeto e de situações que não estão imediatamente presentes e perceptíveis para elas no momento e que evocam emoções, sentimentos e significados vivenciados em outras circunstâncias. Brincar funciona como um cenário no qual as crianças tornam-se capazes não só de imitar a vida como também de transformá-la. Os heróis, por exemplo, lutam contra seus inimigos, mas também podem ter filhos, cozinhar e ir ao circo.
Ao brincar de faz-de-conta, as crianças buscam imitar, imaginar, representar e comunicar de uma forma específica que uma coisa pode ser outra, que uma pessoa pode ser uma personagem, que uma criança pode ser um objeto ou um animal, que um lugar “faz-de-conta” que é outro. Brincar é, assim, um espaço no qual se pode observar a coordenação das experiências prévias das crianças e aquilo que os objetos manipulados sugerem ou provocam no momento presente. Pela repetição daquilo que já conhecem, utilizando a ativação da memória, atualizam seus conhecimentos prévios, ampliando-os e transformando-os por meio da criação de uma situação imaginária nova. Brincar constitui-se, dessa forma, em uma atividade interna das crianças, baseada no desenvolvimento da imaginação e na interpretação da realidade, sem ser ilusão ou mentira. Também tornam-se autoras de seus papéis, escolhendo, elaborando e colocando em prática suas fantasias e conhecimentos, sem a intervenção direta do adulto, podendo pensar e solucionar problemas de forma livre das pressões situacionais da realidade imediata.
Quando utilizam a linguagem do faz-de-conta, as crianças enriquecem sua identidade, porque podem experimentar outras formas de ser e pensar, ampliando suas concepções sobre as coisas e pessoas ao desempenhar vários papéis sociais ou personagens. Na brincadeira, vivenciam concretamente a elaboração e negociação de regras de convivência, assim como a elaboração de um sistema de representação dos diversos sentimentos, das emoções e das construções humanas. Isso ocorre porque a motivação da brincadeira é sempre individual e depende dos recursos emocionais de cada criança que são compartilhados em situações de interação social. Por meio da repetição de determinadas ações imaginadas que se baseiam nas polaridades presença/ausência, bom/mau, prazer/desprazer, passividade/atividade, dentro/fora, grande/pequeno, feio/bonito etc., as crianças também podem internalizar e elaborar suas emoções e sentimentos, desenvolvendo um sentido próprio de moral e de justiça. (BRASIL, 1998, p. 22-23).
Pelo exposto, podemos notar que o brincar vem sendo apontado nas pesquisas sobre a infância como fundamental na vida das crianças. As brincadeiras devem, portanto, estar presentes nas creches e pré-escolas. Observar as crianças brincando deve fazer parte da rotina dos adultos que acompanham e orientam os processos de desenvolvimento dos meninos e meninas que frequentam as escolas de Educação Infantil.


Referências
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998.
BOMTEMPO, E. Brincar, fantasiar, criar e aprender. In: OLIVEIRA, V. B. de (Org.). O brincar e a criança do nascimento aos seis anos. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 127-149.
BORBA, A. M. A brincadeira como experiência de cultura na educação infantil. Revista Criança do Professor de Educação Infantil, n. 44, p. 12-14, nov. 2007.
CAMPOS, M. M.; CRUZ, S. H. V. Consulta sobre qualidade na educação infantil: o que pensam e querem os sujeitos deste direito. São Paulo: Cortez, 2006.
COSTA, E. A. A. et al. Faz-de-conta, por quê? In: ROSSETTI-FERREIRA, M. C. et al. (Org.). Os fazeres na Educação Infantil. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2007, p. 100-102.
DORNELLES, L.V. Na escola infantil todo mundo brinca se você brinca. In: CRAIDY, C. M.; KAERCHER, G. E. P. S. (Org.). Educação Infantil: pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 101-108.
KISHIMOTO, T. M. Brinquedos e materiais pedagógicos nas escolas infantis. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27, n. 2, p. 229-245, jul./dez. 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ep/v27n2/a03v27n2.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2009.
MARÍN, I.; PENÓN, S. Que brinquedo escolher? Revista Pátio Educação Infantil, ano I, n. 3, p. 29-31, dez. 2003/mar. 2004.
MOYLES, J. A pedagogia do brincar. Revista Pátio Educação Infantil, ano VII, n. 21, nov. – dez. 2009, p. 18-21.
SILVA, A. H. A. O poder de um avental. In: ROSSETTI-FERREIRA, M. C. et al. (Org.). Os fazeres na Educação Infantil. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2007, p. 102-105.
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